O valor inestimável do fracasso

A vida é feita de erros e acertos. A ciência também. Por que só conhecemos metade da história?

Notas de Bancada #002

Por Evilasio Filho

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Um acerto sempre senta em uma pilha de falhas.

O Polímeros Anônimos, por exemplo, deve ser a minha quinta ou sexta tentativa de manter uma newsletter sobre o que eu gosto. Nós avançamos aos trancos e barrancos, com muito mais fracassos que sucessos pavimentando nossa jornada. A falha é uma constante em qualquer atividade, tal como a persistência.

Nessa linha, o artigo “Quantifying the dynamics of failure across science, startups and security”, publicado na Nature em 2019 por Yian Yin et al. é um trabalho que buscou quantificar e modelar como o sucesso emerge de tentativas repetidas. Os autores testaram o modelo em vários tipos de atividade, inclusive em solicitações de bolsas de pesquisa do NIH.

Sem delongar tanto nesse trabalho (mas uma leitura recomendadíssima!), ele mostra algo que já pode ter sido elucidado para você, leitor: Há um como se fracassa.

Alguns fracassos são repetições de erros anteriores, e portanto, becos sem saída. Outros são degraus, que te levam ao aprendizado e adaptação. Esses, eventualmente, te mostram o caminho do sucesso. Ou seja, não basta apenas tentar mais. Precisamos saber identificar quando nossa estratégia está estagnada e precisa de uma mudança fundamental.

O medo irracional do fracasso e o fantasma do impostor

Embora passei quase todo o período da minha graduação em contato com a pesquisa científica, eu ainda estou no início da minha carreira acadêmica. E isso possui um efeito interessante sobre os meus fracassos. Com eles há uma sensação de não pertencimento, de se sentir um impostor.

Seja nas tentativas de trabalhar com um sistema diferente, nas análises que empacaram ou na própria limitação intelectual para resolver o problema naquele momento, há algo que parece gritar “você não deveria estar aqui!”. Eu acredito que isso seja motivado por uma cultura que tem uma relação muito mal resolvida com o erro.

Veja bem, vivemos uma “tirania do sucesso”. Abra qualquer revista científica: tenho certeza que todos os artigos que você lerá são celebrações de descobertas inovadoras, resultados promissores, hipóteses confirmadas e estatísticas extremamente positivas.

Ou seja, todo cientista sempre tem sucesso no seu trabalho. E se você não consegue repetir isso, há algo errado com você. Mas isso é uma visão extremamente distorcida do que é ciência! O método científico, em sua essência, é um processo de tentativa e erro, de refutação de hipóteses. Se não há uma maneira experimental de refutar a sua ideia, então ela está fora do âmbito da ciência.

E é por isso que eu defendo que esconder os fracassos é esconder a própria essência do fazer científico. Mais que isso, é se desumanizar.

Aprendendo com erros alheios e ensinando com os seus

Gostaria muito de ter lido, durante meus dois anos de pesquisa e desenvolvimento de produto, sobre os obstáculos e contratempos que os autores que embasavam meu trabalho encontraram. Quantas horas teriam sido salvas? Quantos becos sem saída poderiam ter sido evitados? Tenho certeza que repeti vários deles, que reinventei rodas que já eram furadas, simplesmente porque a admissão pública do fracasso é vista com vergonha.

Há esse desperdício de tempo, recursos e sanidade mental. Quantos pesquisadores estão neste exato momento “batendo cabeça” em problemas, repetindo experimentos infrutíferos que outros já realizaram, mas cujos resultados negativos nunca viram a luz de uma publicação? É uma ineficiência sistêmica brutal, alimentada pelo medo de admitir que nem toda tentativa leva ao sucesso.

Isso também cria a percepção de que a ciência parece ser mais linear do que ela é. Quando o conhecimento inevitavelmente evolui, quando uma teoria é refinada ou uma descoberta anterior é corrigida por novas evidências - o que é a essência do processo científico! - o público que foi alimentado com essa ilusão de certeza fica confuso, desconfiado.


Então, o que isso deixa? Para mim deixa a constatação de que a síndrome do impostor que sinto não é apenas uma falha individual, mas também um sintoma de um sistema que valoriza a fachada do sucesso acima da realidade da tentativa e erro. Nosso foco excessivo em competição cria vencedores e perdedores onde deveria haver colaboração e aprendizado mútuo.

Essa cultura tóxica de competição e medo do fracasso, aliás, não atinge a todos nós com a mesma força. Ela pesa desproporcionalmente sobre aqueles de grupos periféricos na ciência, tornando a sensação de não pertencer mais árdua.

Não tenho a ilusão de que mudar essa cultura seja fácil. A pressão por publicar “positivamente”, as métricas de avaliação, o próprio ego - tudo isso conspira para manter o fracasso no escuro. Mas continuar nesse ciclo de desperdício, de conhecimento enviesado e de pressão psicológica é insustentável.

Minha jornada continuará nos trancos e barrancos, mas quero torná-la mais transparente e verdadeira. Quero poder sempre olhar para a pilha de falhas com honestidade e construir degraus mais sólidos que me levem aos próximos acertos. Espero ajudar a construir apoio para resistir à pressão, validar nossas experiências e lembrar que não estamos sozinhos nessa pilha de tentativas.

E você: que erros te ensinaram mais que os acertos?